segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não há silêncio que não termine


Ingrid Bittencourt, ex-candidata à presidência da Colômbia e mais famosa por ter sido raptada pelas FARC, escreveu este livro para contar seus anos de cativeiro.

Eu sempre tive uma curiosidade mórbida de saber como foi que ela conseguiu permanecer praticamente 7 anos na selva amazônica como refém. O que eles faziam?

Em 2006 eu já havia assistido um documentário na HBO contando a história de Ingrid, a corrida presidencial, de como ela era uma jovem e bonita candidata, dos problemas das FARC e de seu seqüestro. Naquela época o filme terminou com uma mensagem contando que ela estava em cativeiro há 4 anos e que ainda não tinha sido solta ainda, como se fosse um filme inacabado, sem final.

Assim que foi publicado este livro, eu queria correr para a livraria para comprá-lo. Aproveitei uma verba para livros que o serviço proporciona e quando liberada, comprei-o.

Como estava lendo A Fúria dos Reis, livro muito extenso, não quis interrompê-lo e deixei para ler depois de terminar o que eu já havia começado. Como eu demorei de terminar, aquele entusiasmo inicial diminuiu um pouco e quando finalmente terminei fiquei até com dúvida se começava a ler este ou um outro que já estava na fila. Pensando racionalmente resolvi atender meu desejo inicial para encarar aquele livro que eu inicialmente estava muito interessado. Como eu estava lendo um livro de ficção, passar para um livro autobiográfico não-ficção e um baque. Eu adoro ambos os estilos, mas eu não salto de um para outro de repente. Geralmente engato uns 5 livros de ficção, depois uns 5 livros não-ficção. A mudança repentina me causa certo mal estar e até pegar o embalo demora um pouco. Mas neste caso não demorou muito pois além da história ser muito interessante, a Ingrid soube desenvolver uma escrita muito fácil de se ler.

O livro é muito interessante. Ela sempre teve a vontade de fugir e tentou isto pelo menos 4 vezes, de acordo com seus relatos. Além dela havia outros reféns que ela teve que ter uma certa relação, alguns amistosa, outros não. A maioria hostil. Essa situação de conflito entre reféns me lembrou muito o filme (e livro) Ensaio sobre a Cegueira. Na história em que todos são cegos e internados em um local. Lá eles desenvolvem relações humanas bem primitivas e brutais de violência como se o homem regredisse à idade da pedra. Da ficção à realidade, a parte em que ela fica em uma espécie de prisão na floresta resgata tudo isso. Ao invés deles se rebelarem contra os opressores, os seqüestradores conseguiam colocar um contra o outro lá dentro.

O cativeiro no início começa mais light, num lugar difícil, mas suportável. Um lugar em que daria pra se viver apesar da privação da liberdade. Mas com o decorrer dos anos, as condições de vida vão piorando até um momento em que o sadismo dos captores vai ao extremo, demonstrando requintes de crueldade devido ao poder que os guerrilheiros tinham em relação aos reféns.

Se o exército não a tivesse resgatado em 2009, acho que ela não sobreviveria muitos anos mais. E graças a Deus vi a notícia em que todos os reféns das FARC serão soltos. Existem pessoas com mais de 12 anos de reclusão. Um absurdo difícil de imaginar, depois de ler os relatos da Ingrid. Um livro que deveria ser obrigatório em todas as escolas da Colômbia, pois os guerrilheiros são muito estúpidos e ignorantes e todos caem no conto da carochinha com aquele discurso batido do comunismo e de Che Guevara. Acho que uma discussão sobre a forma de governo muito válida. Mas NADA justifica um seqüestro. São bandidos, pura e simplesmente. É uma situação única o que ocorre na Colômbia. Em todos os países da América do Sul tiveram tentativas de revoltas populares inspiradas por Cuba, o que fez surgir as ditaduras para combatê-las, mas só na Colômbia esta situação chegou a este ponto. Ainda bem que nós não chegamos a este ponto.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Abrigo

A peça Abrigo é muito subjetiva e abstrata, oferecendo ao público um mosaico que ele mesmo pode interpretar a sua maneira. É atuado no Espaço Beta do SESC Consolação, um espaço alternativo no 3ºandar que oferece a possibilidade de desenvolver um espetáculo surreal e onírico, dando mais possibilidades aos atores de produzirem algo original assim como é o porão do CCSP, um dos ambientes teatrais que mais gosto de assistir.

Como estou lendo atualmente um livro sobre um cara que descreve as agruras de um prisioneiro, como a peça se chama abrigo e como até chegar no SESC me deparei com muitos mendigos logo relacionei com um morador de rua que vive em seu próprio mundinho fantasiando todos aqueles anseios que temos, vivendo em sua própria loucura. Todos os dias me deparo com figuras como esta que são zumbis a luz do dia vagando pelas ruas do centro de São Paulo sem destino, sem perspectivas, sem futuro, sem esperança, que muitas vezes são solitárias e assim como o Tom Hanks de Náufrago cria em sua consciência um amigo imaginário com quem pode se desabafar e tratar de suas angústias. Não sei se é loucura, mediunidade, esquizofrenia ou só uma pessoa que resmunga coisas pra si, mas a cada dia tem mais gente assim vagando no centro e nunca os vi fazendo mal para nós. Muito ameaçadores, todos nós apesar de termos piedade, nos afastamos com medo de violência ou contato com a imundície. São seres humanos com sentimentos que estão na miséria e isto afeta tanto o corpo quanto a mente.

Outra análise que se pode fazer é sobre a atriz que participa belamente da peça. Ela representa o desejo que nos ronda mas inalcançável, algo que nos tenta a todo momento. É quando terminamos um relacionamento. Ficamos feridos e revivendo em nossa mente a pessoa amada que provocou nossa dor o tempo inteiro. Quando almoçamos ela está lá, quando dormimos está lá, sempre presente oferecendo um sonho impossível de alcançar e ao mesmo tempo muito querido. É um pesadelo sem fim em um loop interminável. Revivemos os momentos de felicidade e angústia e não conseguimos nos libertar do círculo vicioso.

Mas acho que o espetáculo pode provocar mais análises. Nem sei se este foi o intuito do diretor, mas estas foram as impressões que tirei.

DICA: Sente se na primeira fileira.
MOTIVAÇÃO: Tem nudez – kkkk.


Peça: Abrigo
Gênero: Drama
Direção: Darson Ribeiro
Com: Henrique Ponzi e Janaína Brizolla
Texto: Raphael Ramos
Sesc Consolação Espaço beta - 3º andar
R. Dr. Vila Nova, 245 - Vila Buarque, Centro, São Paulo
segunda e terça: 21h - Até 8/5.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Titanic

Na semana do aniversário de 100 anos da viagem inaugural do Titanic, e de seu afundamento, choveu especiais e documentários nas emissoras. Foi a festa do History, do Discovery e do Natgeo, além da reprise quase insuportável do filme de James Cameron. O caso do Titanic é fascinante, mas pesquisando melhor descobrimos algumas coisas que são mitos irreais. Na propaganda sobre o navio na época, em 1912, nunca foi dito que o navio era “inafundável”, como normalmente é dito. Outra que o Titanic não foi construído isoladamente para ser o maior de todos, a White Star Line fabricante do navio, construiu 3 quase do mesmo porte, como o Olympic que ainda era o mais famoso quando o Titanic foi feito.

Outra curiosidade é que havia muitos passageiros britânicos e norte-americanos no navio já que a viagem era da Inglaterra aos EUA. Os britânicos, na sua educação superior, quando percebeu que o navio estava afundando imediatamente se formou uma fila para os botes. Já os norte-americanos foram desesperados furando fila. Resultado: muito mais americanos se salvaram. Se tivessem brasileiros no navio, se salvariam todos.

Já em 2012, descobri que no twitter muita gente ficou impressionada que o desastre foi real. Eles achavam que era ficção e imaginação de Hollywood. Fiquei abismado com a falta de cultura do povão. Mas devo admitir que quando eu era criança, pensei que Sherlock Holmes era um personagem real e que os casos dos filmes eram réplicas de suas aventuras. Digo, os filmes antigos, não esse falso Sherlock que o Robert Downey Jr. Interpreta.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Filha, Mãe, Avó, Puta

Conhecida como a profissão mais antiga do mundo, a prostituta apesar de descriminada é aceita pela população por baixo dos panos assim como o comércio das drogas. Todo mundo sabe que é ilegal, mas todo mundo sabe onde vende e consome. Assim como as drogas, a prostituição e a industria pornô movimentam mais de 1 trilhão de dólares por ano.

Nesta peça, que é adaptada do livro com nome homônimo escrita pela Gabriela Leite, a criadora da marca Daspu, descreve a vida desta mulher que apesar de nascer na aristocracia, estudar em colégios importantes e ter todas as condições de seguir uma profissão mais nobre, resolveu ser puta. Não só exerceu a atividade de mulher dama por escolha própria como a defende com muito orgulho pra qualquer um que conversa. Numa adaptação muito boa, a peça se passa como se fosse uma entrevista onde o Louri Santos só direciona para onde a narração deve seguiu, é um coadjuvante. É quase um monólogo de Alexia Dechamps contando a vida de Gabriela.

Em muitos momentos me lembrei do livro da Bruna Surfistinha, O Doce Veneno do Escorpião, onde a ex-puta conta como seguiu o mesmo caminho de Gabriela, ironicamente vinda de colégios caros também. As experiências de ambas também chamam a atenção por serem similares. Sempre tem aquele cara nojento que elas não querem dar, mas são obrigadas. Tem as experiências com as cafetinas e a relação com as outras companheiras de labuta, os clientes que querem mais conversar do que transar, os fetiches e fantasias esquisitas do cara, cada uma no seu estilo.

Mas a diferença é que a Bruna Surfistinha é só uma puta que deu uma puta sorte do livro fazer sucesso. A Gabriela além de puta, estudou em um colégio com idéias marxistas e fez trabalhos sociais criando a ONG Da Vida e criou a marca de roupas Daspu. Ela tem uma visão política é empresária e sempre defende o direito humanos das prostitutas, que também são filhas de Deus.

Fiquei interessado em ler o livro. Vira puta quem quer. Tem um mercado grande de mulheres oferecendo este serviço é muita gente consumindo, tudo na clandestinidade e sem nenhuma segurança. Acho que o mundo será um lugar melhor quando o Brasil seguir países mais avançados como a Holanda onde existe leis e sindicatos regulamentando a profissão e onde qualquer um pode ter acesso ao serviço nobre sem preconceitos. Claro que não é pra incentivar a toda mulher procurar um serviço desses, mas se ela quer, que seja com segurança.

Peça: Filha, Mãe, Avó, Puta
Centro Cultural Banco do Brasil
Rua Álvares Penteado, 112 – Sé – São Paulo
Elenco: Alexia Dechamps e Louri Santos
Terça a quinta, às 20h
Em cartaz até 19/04/2012

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Conto – O Toco

Renato queria viajar para Salvador, mas não tinha compania. Como era um mês fora de temporada, seus amigos trabalhando e era solteiro sem namorada ele resolveu ir assim mesmo sem ligar para o fato de estar sozinho. A alternativa seria ficar em casa sem fazer nada desperdiçando as férias anuais da empresa.

Planejou com cuidado os lugares que desejava visitar, fez um cronograma, checou as passagens de avião e ao procurar um lugar para se hospedar quase caiu para trás quando viu os preços cobrados pelos hotéis. Resolveu pesquisar pousadas e albergues e foi quando descobriu uma comunidade no Orkut em que os participantes trocavam experiências sobre viagens. Decidiu ler as opiniões e pedir dicas de melhores hospedagens. Uma moça sugeriu o albergue que além de ser muito barato, tinha a possibilidade de conhecer outros viajantes como ele e sempre é uma oportunidade de novas amizades. Chegou a trocar alguns e-mails com esta moça, que tinha o nome de Kátia Flávia no seu perfil e uma foto pequena e embaçada, difícil de identificar, e pegou várias dicas. Ela disse que pretendia ir à Salvador uma outra época, mas como o Renato estava indo e ele parecia um cara legal resolveu viajar pra lá na mesma semana aproveitando que tinha uma compania para visitar os lugares turísticos. Na hora o Renato aceitou.

Ao chegar lá, localizou o albergue, se hospedou, tomou um banho, se preparou e ligou para Kátia. Ela resolveu pegar um ônibus do aeroporto ao albergue pra economizar, o contrário de Renato que pegou um táxi. Antes dela chegar, Renato pensou em como ela seria pois só sabia que era branca e com cabelos longos pretos, que era o que dava pra identificar em sua foto. Até bateu uma certa dúvida em sua cabeça de ser alguma pegadinha. Foi muito fácil conseguir uma compania com uma mulher solteira assim. Será que ela vai me roubar? Será que é feia de doer? Várias dúvidas abateram sua cabeça mas sua expectativa apenas aumentou. Estava feliz por ter conseguido fazer uma amizade nas férias.

Ao chegar ela imediatamente o localizou em um sofá no albergue, gritando seu nome, e chegou abraçando-o. Ele percebeu que teria uma certa dificuldade de reconhecê-la, mas na hora percebeu que era o que ele sempre quis: muito bonita e simpática. Indicou para ela os procedimentos a tomar, o atendente do albergue, os quartos e assim que ela se arrumou, se prepararam para sair.

Ela era bem mais extrovertida que ele. Falou com outros hóspedes solicitando informações de condução e preços dos locais que visitariam. Então saíram e pegaram o ônibus. Ela conversava com ele na maior naturalidade como se se conhecessem há muitos anos. Contava os percalços pelos quais já passou, sobre o serviço que ela tinha tirado uma folga de uma semana para realizar a viagem, os familiares que tinha, que a mãe também estava viajando naquela mesma época só que no sul do país e blá, blá blá. Era não parava, muito excitada pela viagem e pelas descobertas de uma terra nova. Ele apenas olhava, acompanhava a conversa mas intervinha pouco. Estava gostando muito dela mas como era mais reservado não tinha tanta desinibição assim. Visitaram pontos turísticos, tiraram fotos e almoçaram comida típica baiana. Chegaram exaustos no albergue e praticamente capotaram em suas respectivas camas depois de tentarem visitar todos os lugares em um único dia.

No dia seguinte, já restabelecidos, tomaram café da manhã. Ele estava muito atraído por ela. Era muito linda e cheia de idéias engraçadas. Não conseguia tirar os olhos dela e tentava ser o mais agradável possível, sendo educado e cortês. Ele pensava “É muita areia pro meu caminhão. Nunca teria chances com ela.” enquanto comia um brownie e ouvia outra história maluca. Enquanto seus lábios diziam sobre as maravilhosas praias que eles teriam que visitar, ele praticamente não prestava muita atenção apenas concordava com a cabeça.

Visitaram uma das praias mais próximas do farol e a viu de biquíni. Ela era ótima. Ele ficou com vergonha de tirar a camisa e parecia um turista gringo na praia, todo vestido. “Não teria chances com ela”, ele pensava. No final da tarde os dois foram num barzinho de frente ao mar tomar alguma coisa. Ela, já um pouco cansada, pouco falou e ambos ficaram ouvindo “Janis Joplin” tocar no rádio do bar e olharam as ondas do mar se chocarem enquanto degustavam uma boa cerveja.

Depois da segunda garrafa aberta ele, de óculos escuros, olhava para o mar e às vezes para as pernas dela que eram bem torneadas. Ela estava em puro êxtase, com o som alto e a brisa do mar batendo em seu rosto. Começou a passar na cabeça dele a idéia de beijá-la. Mas tudo dizia que ela não queria, que iria rejeitá-lo, que não daria certo. Mas cada gesto que Kátia era erótico para seus olhos. Uma ajeitada dos cabelos atrás da orelha, uma coceira que ela deu na batata da perna, um gole de cerveja, tudo parecia que ela estava o atiçando. Mas esta mulher nunca vai me dar bola, pensava. Mas ao mesmo tempo ele percebia que ela estava sozinha com ele. Depois de tanto papo ela nunca mencionara um namorado ou algum caso. Por que estava tão certo de que seria rejeitado? Ele pensava ser realmente feio e desajeitado. Uma mulher deste quilate não ficaria comigo. Será? Uma leve dúvida pairou em sua mente e então pediu mais uma cerveja. Se tiver mais alguma ação, será depois desta garrafa.

Já estava escurecendo quando decidiram voltar para o albergue um pouco mais cedo. Pagaram a conta e foram conversando sobre assuntos aleatórios. Ele estava com vontade de abraçá-la e sem pensar muito o fez. Ela também o abraçou e andaram juntos assim para dentro do albergue. Ao entrar se separaram e foram cada um para seu quarto tomar banho antes de sair para o jantar. Depois de um abraço e do carinho dela, ele achou que poderia ter chances sim. Então se preparou para o abate.

Os dois se sentaram em um dos sofás no lobby e ficaram um pouco sem se falar, um pouco anestesiados pelo álcool que tinha tomado minutos atrás. Ele olhou para ela e assim que ela olhou de volta ele avançou e tentou beijá-la. Ela se afastou como por instinto. Ele segurou sua mão e tentou de novo. Desta vez ela além de se afastar empurrou um pouco ele perguntando o que ele estava fazendo.

- Eu queria te beijar. Não posso?
- Não. Calma ai. Eu não to afim. Pensei que éramos amigos.
- Sim, somos amigos. Mas eu queria mais de você.
- Não. Nem sei quem é você direito. Eu contei tanta coisa sobre mim e você nunca me falou nada. Até onde eu sei você pode ser qualquer um. Até um bandido. – Kátia disse já se levantando e tomando uma distância do sofá.

Ele ficou já um pouco desconfortável com esta atitude. Se ela não quisesse era só dizer. Agora ter esta atitude e ainda chamá-lo de bandido já era demais. O orgulho dele ficou um pouco ferido.

- Olha, tudo bem. Não precisa se exaltar. Se não quiser, tudo bem.
- Tudo bem nada. Eu nunca tenho amigos. Os homens sempre querem ficar comigo e nunca tenho amigos pra passear. Pensei que com você seria diferente. Agora a situação ficou estranha. Gostaria de parar por aqui. Não quero mais passear com você.
Desta vez ele ficou chateado. A reação dela não era a que esperava nem nos piores pensamentos.

- Por favor, sente-se aqui do meu lado. – Renato pediu com educação.
- Não, eu já disse que não to afim de ficar com você. – ela resmungou.
- Não é isso. Prometo que não farei nada contigo. Só gostaria de conversar.
Ela pensou um pouco e se sentou. Também não era pra tanto, reconheceu.
- Olha. – pensou e falou com cuidado - Me desculpe por isso. Não quero que a gente deixe de ser amigo. Eu me senti atraído por você sim e pensei “Por que não?”. Acho que a gente só pode se arrepender do que não fez em vida e não do que fez. Era uma oportunidade e pensei que a pior coisa que poderia acontecer era você dizer não. E foi justamente o que aconteceu. Não quero perder sua amizade e gostaria que esquecesse o que aconteceu.

Ela ficou um pouco envergonhada com a atitude que teve. Não tava afim de ficar com ele naquela hora e a sinceridade do Renato fez que com suavizasse o momento. Ela pensou um pouco e no clima que ficaria depois disto, mas resolveu ficar, afinal ainda faltavam 3 dias.
- Tudo bem. Me desculpa pelas coisas que disse também. Não queria ser grossa.

- Tudo bem. – disse Renato, já chamando ela pra jantar.
Ele tentou fazer com que a conversa fosse para outro lugar mas Kátia ficou pensando no assunto um pouco constrangida e até falou menos que Renato.

No dia seguinte, se encontraram e foram para outra praia. Ela constrangida e ele derrotado. Mas ambos tentando parecer normais e tentaram se divertir. Enquanto ele estava colocando uma pá de cal em cima de suas intenções e da possibilidade de ficar com ela. Já Kátia pela primeira vez olhou para ele com curiosidade, com outros olhos desta vez. Até a noite passada ele era apenas um amigo e agora sabendo que ele gostava dela ela começou a avaliá-lo.

Renato, já resignado, chamou-a para jogar vôlei de praia, depois compraram um sorvete e pareciam velhos amigos novamente. No final da tarde ambos foram para os quartos tomarem banho e quando se reencontraram ela ao olhar para ele viu que era um cara muito bonito e divertido. Ela estava feliz por tê-lo ali para partilhar da viagem e se sentia muito a vontade com ele. Ela tentou ser mais carinhosa, mas ele já não a tratava com tanta proximidade, talvez com medo de outra reação igual à noite anterior. Quando ela chegava perto ele discretamente desviava.

Jantaram juntos e ela olhava para ele dando uma indireta, mas ele não entendia assim. Para Renato ela era naturalmente sensual, qualquer coisa que fizesse parecia que estava dando bola para ele mas na verdade era só o jeito dela. Ele não sabia diferenciar entre o interesse e seu jeito natural. O dia seguinte seria o último que passeariam em Salvador então se tinha que acontecer alguma coisa seria agora. Quando terminaram, Renato foi acessar a internet enquanto ela ficou assistindo televisão. Quando ele levantou e disse:
- Acho que já vou dormir.
- Fica mais um pouco aqui comigo – pediu Kátia.
- Mas eu não gosto de novela.
- Vamos nos sentar lá fora e aproveitar a brisa. Eu só estava dando um tempo aqui. Também não sou muito fã de novela não.
Então foram pra área de fora observar a paisagem e Kátia resgatou aquele assunto que ambos estavam pensando.
- Desculpa por aquele dia. Eu não estava com a cabeça muito boa.
- Sem problema. Já passou. Não fiquei chateado não. – disse Renato chateado.
- As coisas acontecem em seu curso natural. Não sou assim de ficar com alguém do nada. Eu gosto de conversar com a pessoa e conhecê-la melhor. Só depois que pode rolar alguma coisa – Kátia disse, colocando a mão em cima da de Renato.
Só o toque dela já dava um arrepio em sua pele, mas até o último instante ele ainda achava que tudo isso fazia parte o seu jeito de ser. Ficaram os dois se olhando durante alguns segundos em silêncio e ele pensou “Ah, dane-se”. Ele se inclinou para beijá-la e ela aceitou numa boa. Os dois ficaram durante vários minutos trocando carícias até que pararam um pouco, abraçados.
- Achei que você não queria nada comigo. – disse Renato, tirando um sarro.
- Pois é. Resolvi te dar uma chance. – Kátia disse já rindo.
- Que pena que amanhã já temos que voltar.
- Vamos aproveitar hoje e esquece amanhã. Viva o presente.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Catadores

Por mais encrencado que esteja, não importando a situação em que se encontre, o melhor da vida é ter amigos. Acho que foi a mensagem principal da peça Catadores, em cartaz no Espaço Parlapatões em São Paulo.

O texto da peça toca no assunto do envelhecimento. Dois companheiros de profissão que trabalharam a vida inteira hoje se encontram catando papéis na rua, com aquela caduquice comum dos velhinhos que já não se preocupam tanto para o que pensem deles. Por mais humor que se ponha no texto, é triste pensar no processo de envelhecimento, onde a pessoa vai definhando e todos os seus sentidos vão piorando apesar da mente estar ativa, presa num corpo que não lhe obedece mais. A mente com conhecimentos e experiências é a melhor coisa que podemos ter duma idade mais avançada.

Na vida, durante os dias comuns, trabalhamos sempre pensando no horário e torcendo para que o dia passe rápido para realizar seus afazeres pessoais. Dependendo da quantidade de serviço, o dia realmente passa pelos seus olhos sem que se perceba. Quando percebemos, a semana já passou numa rapidez impressionante. Quando paramos para analisar, descobrimos que agora já é abril, sendo que parece ontem que curtimos o réveillon brincando com o fato de ser 2012 o ano do fim do mundo. “A vida é um sopro”, como disse Niemeyer. O mundo continua e somos apenas um pequeno acontecimento no Planeta Terra.

E a amizade verdadeira dura a vida inteira, mesmo que em momentos nos distanciamos, brigamos ou passamos por momentos de discórdia. Nada pode ser mais doloroso do que envelhecer e não ter ninguém para compartilhar sua vida.
Peça: Catadores
Espaço Parlapatões
Praça Franklin Rosevelt, 158 Centro, São Paulo
Elenco: Paulo Gorgulho e Jairo Mattos
Terça e quarta, às 21h
Em cartaz até 16/05/2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Paradoxo Feminino

Geralmente o fetiche feminino é um homem cafajeste, daqueles malandros, conquistador, galanteador, que é o pretenso comedor, o que tem fama de mau. A maioria das mulheres morre de paixão por um homem desses e por sua vez esse cara está afim de comer tantas mulheres que puder. Logo se junta a fome com a vontade de comer e todos saem felizes. Será?

A mulher também deseja casar, encontrar um parceiro pra toda vida, formar família com um homem honesto, trabalhador, simpático e fiel. Logo ambas as ambições entram em contradição. A mulher sempre será infeliz pois deseja coisas opostas em uma só pessoa.

Ela pensa que o comedor só é comedor porque não encontrou a mulher certa e que quando ocorrer ele terá olhos apenas para ela. O cafajeste aposta todas as fichas justamente nisto. É o trunfo dele pra comê-las. Novamente une-se a fome com a vontade de comer. O cara quer transar com ela, então se faz de apaixonado. A mulher sabe que ele não presta mas quer domá-lo, então se rende a seus encantos. No dia seguinte o cara vai embora e ela diz que todos os homens são iguais e não prestam. Ela sabia que ele não prestava mas mesmo assim foi por estar seduzida pelo comportamento de conquistador dele.

Já o cara fiel não é necessariamente mole, mas não tem aquela fama toda do cafajeste. A mulher não se sente atraída a ele tão facilmente quanto o outro, leva um tempo de maturação. Dependendo da conversa e do como de ser o cara conquista a mulher. Já o outro é como abelha no mel, só de olhar já conquista.

O homem geralmente diz que quer uma mulher que seja uma puta na cama e uma dama na sociedade. E que existe mulher pra casar e mulher pra uma noite só, pois as segundas possuem má fama na sociedade e sabe que elas não serão fiéis a eles. As mulheres não ligam para má fama do cara, na verdade ocorre o contrário. Quanto mais fama de bonzão melhor. Mas assim que tomam um chifre, gritam para o mundo todo que homens são todos iguais.

E não é questão de inteligência ou condição financeira. Todas passam por isso. Os casos mais extremos são as chamadas “mulher de malandro” que remete aquelas que são abertamente chifradas pelo marido e ainda os ama e até defendem ele. Mas não precisa ir tanto. O normal são casos mais leves e manipuladas pelo malandro.

É irônica a situação. Elas querem que o cara seja um cafajeste fiel. Mas a qualidade principal do cafajeste é ser infiel sempre, mesmo quando casa e tem família.